quarta-feira, 7 de julho de 2010

Deus como o centro do Universo, será mesmo?

Criação do Sol e da Lua - Michelangelo, Capela Sistina.
Deus criando o Sol e a Lua (detalhe).
Michelangelo, Capela Sistina.
É comum e natural vermos no legado histórico das religiões judaico-cristãs e islâmica narrativas que colocam sua (única) deidade como o ser original e central do Universo onde todos o eventos ocorrem inescapáveis ao seu controle, o chamado teocentrismo, mas, diante de uma perspectiva mais abrangente, não é o que realmente acontece.

Independente de qual vertente ou subsegmento doutrinário pregado por qualquer uma destas religiões, é irrefutável que seus membros depositam todos os eventos bons ou ruins do universo girando em torno do eixo divino. Sob uma perspectiva humana (e religiosa) o teocentrismo guia e regula a vida de todos nós.

Todavia, abandonando a perspectiva de 'dentro para fora' desta ótica e analisando os fatos de uma forma mais global, verificamos que é o próprio homem quem ocupa o centro de uma sistema orbital onde as atenções das entidades espirituais gravitam e, até certo ponto, não conseguem se desvencilhar, inclusive e principalmente a suprema.

Isso porque, ainda que perante os ensinamentos religiosos, Deus seja o ser infinitamente poderoso e criador de todas as coisas para onde todas a atenções deveriam se voltar, estes mesmos ensinamentos descrevem sua natureza como a de um criador apaixonado fixamente por uma de suas criaturas: nós.

Tamanha é a paixão que em pouco ou nada se diferenciaria daqueles típicos casos de admoestação em pessoas que não conseguem furtar-se de sentimentos obsessivos por outras, compulsivamente querendo controlar seus passos e saber de seus afazeres.

Desde que foi criado e dos sucessivos e desastrosos episódios, o homem passou a ocupar o palco central dos acontecimentos. Nesta incrível epopeia, duas grandes e antagônicas forças se digladiam pela atenção e interesse dos homens: de um lado Deus, com toda sua paixão obsessiva-compulsiva e, do outro, levado por sentimentos nefastos de ciúmes, inveja e ressentimento, Lúcifer lutando pela nossa "perdição". Anjos e demônios seriam os espectadores que, vez por outra, seriam convidados a subir ao palco.

Ao contrário do que possa parecer, não sou teólogo, muito menos religioso, mas trago o assunto à discussão para que possamos ter uma reflexão maior sobre contra-sensos que costumam nos rodear e não nos damos conta.

Sou cético e agnóstico, não creio na existência do sobrenatural. Pelo menos, não até que hajam provas concretas, plausíveis e irrefutáveis do contrário. E, na possibilidade de existir, acredito que não seja da forma tradicional como nos é doutrinado.

As habituais afirmativas dogmáticas nos conduzem a ver este possível engenheiro do universo como um ser perfeito dissonante de nossas viciosas imperfeições. Porém, não é preciso ter um olhar muito aguçado para perceber traço inegavelmente humanos nele, de acordo com essas mesmas afirmativas.

Reza a tradição que Deus criou o homem a sua imagem e semelhança e que teríamos nos tornado imperfeitos por efeito do pecado original, mas o que dizer quando o próprio criador, elegido como a suprema perfeição, apresenta características de paixões tão imperfeitas e humanas como ódio, rancor e desejo de vingança?

Acredito que, se realmente houve ou ainda há algum tipo de ser ou seres construtores e mantedores do nosso universo, o mais provável é que não seja(m) como vem sido descrito; que, por sua vez, não passa(m) do produto do imaginário humano, ora dotado de sinceros anseios, ora de interesses de controle social e poderio sobre os crédulos.

Por fim, talvez nossa existência seja apenas constatada, mas não expectada pelo(s) possível(is) criador(es) do Universo. É provável que sejamos apenas uma variante casual resultante da criação das leis que regem a natureza, inclusive nossa própria consciência. Mas isso no caso de existir(em) realmente.

3 comentários:

Jonadabe disse...

A bíblia, já que foi citada essa tradicao, coloca caracteristicas humanas em Deus não porque Ele tenha elas como parte de sua natureza, mas porque é a unica forma de entendermos.

Se Deus existe, o conhecimento dele é muito maior do que podemos imaginar, além da sua natureza que é diferente da nossa.

É tanto que com nossa razão nunca vamos poder compreender Deus completamente. Nós mal conseguimos compreender o que podemos ver, mal podemos entender de coisas finitas, imagine compreender o eterno? A forma utilizada por Deus nesse caso foi usar caracteristicas que podemos compreender.

A tradição bíblica fala sobre a relação entre Deus e os homens, mas também fala que Deus ama toda a sua criação, e não apenas os seres humanos. Mas amar a criação não é torna-la centro de sua obsessão.

Não concordo que Deus e o diabo se digladiam pela atenção dos homens. Isso foi uma caricatura que fizeram. Acredito que Deus ama toda sua criação e deseja ter um relacionamento com os seres humanos, mas nada como foi expesso aí.

Leandro Lima. disse...

Jhone... Bem, em primeiro lugar, em nenhum momento disse que as tradições religiosas afirmavam que Deus não amasse todas as suas criações, e sim, que parece ter desenvolvido uma espécie de predileção com características obsessivas em relação a uma em especial: o ser humano.

Em segundo lugar, mostra-se bastante conveniente atribuir coisas ainda não decifradas pelo conhecimento humano a uma ou várias deidades. O que não falta são exemplos de afirmativas desse porte que, num momento posterior, foram verificadas como resultantes de leis naturais. Neste caso, Deus parece uma entidade que se esconde à sombra das lacunas ainda não iluminadas pelo conhecimento científico.

Em terceiro lugar, é justamente o fato de haver uma falta correlação entre dizer que Deus é um ser perfeito e a descrição de seu comportamento não condizente com esta afirmativa que põe em xeque a confiabilidade de sua existência, pelo menos, desta forma como vem sendo descrita.

Em quarto lugar, referente a Deus possuir características obsessivas perante o ser humano é que não parece ter outra coisa a fazer na vida, ou melhor, na eternidade, senão regular nossas vidas e fazer com que o amemos o colocando como prioridade em tudo. Típico de relações obsessivas.

Em quinto e último, referente a Deus e Lúcifer disputarem nossa atenção e interesse é que parece que só foram feitos para isso, ou que só existem para isso. De uma forma ou de outra, é como se fôssemos a única ou mais importante forma de entretenimento do universo.

Neto disse...

Sua visão é bastante parecida com a minha, Leandro. Parabéns.

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